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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Trabalho infantil: a gente vê na TV

A Constituição Brasileira é clara: menores de 16 anos são proibidos de trabalhar, exceto como aprendizes e somente a partir dos 14. Mas não é o que se vê na TV. Por um lado, a exploração de meninos e meninas nas lavouras e carvoarias costuma ser condenada pela lei e pela opinião pública, em função das seqüelas que deixam em crianças e adolescentes; por outro, costuma-se aplaudir quando crianças - e até bebês - viram estrelas de novelas, programas e comerciais.

As conseqüências para os pequenos na programação comercial são diferentes do que para as crianças das lavouras, mas especialistas alertam que também há riscos para o desenvolvimento dos chamados astros-mirins. “As pessoas assistem com mais naturalidade quando o trabalho é artístico. Mas tanto em novelas quanto nas lavouras há trabalho infantil e ele é proibido”, afirma o procurador Rafael Dias Marques, vice-presidente da Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho.

No Brasil, segundo o Ministério do Trabalho, não existe regulamentação legal clara para atividades artísticas de meninos e meninas. Costuma-se levar em consideração o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada no Brasil, que permite à autoridade competente, no caso o Juizado de Menores, conceder, por meio de permissões individuais, exceções à proibição da lei.

As autorizações judiciais devem levar em conta o limite do número de horas trabalhadas e as condições em que essa atividade deve ser realizada. Com a falta de regulamentação legal, no entanto, cada juizado determina qual é a regra. “Muitos alvarás estão sendo expedidos de forma não-correta: são amplos, sem proteção dos direitos”, garante o procurador.

O assunto traz muita polêmica e divide especialistas sobre a exploração de crianças e adolescentes nos meios de comunicação. Para Isa de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), as conseqüências são inevitáveis para os pequenos quando submetidos ao trabalho precoce, como é o caso da apresentadora mirim Maisa, do SBT, no programa Sábado Animado, que vai ao ar das 7h às 12h44. Com cinco anos, ela disputa audiência com o programa da Xuxa, da Rede Globo. Maisa já virou alvo de deboches em paródias veiculadas no YouTube, site de vídeos na internet.

“A criança passa a ser celebridade. Não pode ir mais livremente ao parquinho para brincar. Deixa de viver uma fase fundamental da vida”, diz Isa. Renato Mendes, coordenador nacional do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, da OIT, tem a mesma opinião: “A exploração infanto-juvenil pode levar a uma adultização precoce. Muitos participam de cenas com conflitos familiares, o que pode acarretar em transtornos para a criança.”

O desembargador Siro Darlan não considera atividade artística como trabalho infantil. “Vejo como o desenvolvimento de uma arte. Se há vocação artística e se coloca um obstáculo, pode gerar frustração ao desenvolvimento da criança”, avalia. Em 2000, ainda como juiz da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, Siro Darlan ganhou projeção nacional ao proibir a atuação de atores mirins na novela “Laços de Família”, da TV Globo. Para o magistrado, o papel da Justiça é evitar abusos: “Sou contra uma criança atuar em cenas de violência, com uso de drogas e armas e ainda em desrespeito à família.” Na época, Darlan baixou portaria em que previa termos como o acompanhamento psicológico e a comprovação de freqüência em sala de aula. “O ECA determina regras, mas a regulamentação é genérica. Por isso, fiz a portaria para o Rio”, afirma. Siro condena cenas de filmes, como o de Cidade de Deus, em que crianças e adolescentes aparecem com armas e participam de cenas de tiroteio.

Para Isa de Oliveira, as atividades artísticas devem ser estimuladas, mas sem fins comerciais. As escolas, segundo ela, deveriam ser o espaço de incentivo à cultura, “local adequado para talentos serem descobertos na idade adequada”. Especialistas lembram que os pais devem ter cuidado para não transferir responsabilidades. “Os adultos querem realizar seu sonho de enriquecer ou ficar famoso através dos filhos. Mas a criança e o adolescente têm o direito ao lazer, ao descanso, ao pleno desenvolvimento físico”, alerta Isa.

Para a psicanalista Ana Olmos, o maior risco para os pequenos é eles saírem da realidade. “Isso não quer dizer que eles não possam trabalhar em um espetáculo. Mas a criança precisa ser preservada pela família. Quanto mais perto da escola e do seu grupo etário maior será a garantia de se ter uma vacina contra situações de exagero”, avalia.

O debate sobre o tema está apenas no início. Tramita no Senado projeto de lei sobre a participação de crianças e adolescentes em atividades artísticas, que promete aumentar a polêmica. Pelo texto, bastaria apenas autorização dos responsáveis para a participação de garotos e garotas nas atividades artísticas. O Ministério Público do Trabalho participará das discussões, em audiência pública na Casa. E apresentará um documento, finalizado em agosto pela Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho, que serve de base sobre o tema para procuradores de todo o País.

Procurado pelo Portal Pró-Menino, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) informou que não poderia dar entrevista porque a presidência e assessores participavam de um evento. A resposta foi dada após as perguntas serem enviadas por e-mail, a pedido da assessoria de imprensa da entidade. O SBT também foi procurado pela reportagem, mas não deu retorno.

O QUE DIZ O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA
- PROIBIÇÃO: O trabalho artístico não é regulado por parâmetros legais claros, havendo mesmo doutrinadores que afirmam não ser possível esse tipo de trabalho no País, com base no art. 7º, XXXIII da Constituição Federal de 1988. A Lei nº 6.533, de 24 de maio de 1978, que regulamenta a profissão de artista, não dispõe sobre esse assunto.
- EXCEÇÃO: A Convenção 138 da OIT, ratificada pelo Brasil, permite, em seu art. 8º, 1 e 2, que a autoridade competente conceda, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de admissão ao emprego ou trabalho com idade aquém da mínima legal, para representações artísticas. Ressalva apenas que essas permissões devem limitar o número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescrever as condições em que esse poderá ser realizado.
- ECA: O Estatuto da Criança e do Adolescente admite a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos e seus ensaios desde que a autoridade competente observe entre outros pontos, as peculiaridades locais e o tipo de freqüência habitual ao local.
- ESCOLA: “A CLT também impõe limites, pois estabelece em seu art. 405, parágrafo único, que o trabalho infanto-juvenil ‘não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a freqüência à escola’.”
- TRABALHO INFANTIL: Questionado se a utilização de crianças em apresentações artísticas, como novelas, comerciais e programas de TV, constitui trabalho infantil, o Ministério do Trabalho respondeu: “A princípio, configura-se, nesse caso, trabalho infantil e, portanto, proibido. Deve-se obter, previamente, a autorização do Juiz da Infância e da Juventude para que crianças atuem em apresentações artísticas”.
- HORÁRIO: “Tanto a CLT como o ECA estabelecem que o horário de trabalho deve ser compatível com o horário escolar. Além disso, a Convenção 138 da OIT estabelece que a autoridade competente (Juiz da Infância e da Juventude) deve especificar o número de horas de trabalho”.
- BEBÊS: Sobre a participação de bebês em atividades como novelas e comerciais, o Ministério do Trabalho informou que não há regulamentação quanto a esse tipo de participação.
* Rachel Vita foi diplomada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI) como Jornalista Amiga da Criança em 2001. Hoje trabalha no jornal O Dia, como repórter de Economia.

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