Alguns tipos de cirurgias bariátricas, como a com bypass gastrointestinal, realizada para o tratamento de obesidade mórbida e diabetes – por meio da qual é feito um desvio para redirecionar o alimento do estômago para a parte inferior do intestino delgado do paciente –, podem causar a diminuição do apetite pelo açúcar, já observavam especialistas na área.
Um estudo realizado por pesquisadores da Yale University, dos Estados Unidos, em colaboração com colegas de outras intistituições americanas, além da China e do Brasil, constatou que esse tipo de cirurgia bariátrica é capaz de causar essa inibição por afetar o funcionamento do cerébro, reduzindo a liberação do neurotransmissor dopamina, associado ao prazer e à recompensa.
O estudo, publicado na revista Cell Metabolism e destacado pela revista Nature, teve a participação da pesquisadora Tatiana Lima Ferreira, do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da Universidade Federal do ABC (UFABC).
A pesquisadora obteve uma Bolsa no exterior da FAPESP para realizar pesquisa na Yale University, no laboratório coordenado pelo pesquisador brasileiro Ivan Eid Tavares de Araújo, responsável pelo estudo.
“Já se sabia que cirurgias bariátricas, como a com bypass, causavam a perda do apetite por alimentos doces, mas ainda não era conhecido qual o mecanismo por trás disso. O estudo pode ajudar a compreender como ocorre a interação entre o cérebro e o estômago de pacientes submetidos a esse tipo de procedimento”, disse Ferreira à Agência FAPESP.
A fim de avaliar o potencial que o açúcar tem de desencadear hábito ou dependência por seu consumo crônico, os pesquisadores realizaram um experimento em que, inicialmente, expuseram um grupo de camundongos durante 13 dias a determinadas quantidades do carboidrato por eles autoadministradas ao lamber o bico de um bebedouro com um líquido açucarado.
Para analisar se esses animais que ingeriram cronicamente açúcar continuavam a buscar o carboidrato mesmo depois de satisfazer sua saciedade, eles realizaram um segundo experimento: injetaram diretamente no estômago dos camundongos uma quantidade equivalente de açúcar àquela autoadministrada no primeiro experimento e os expuseram novamente ao bebedouro com líquido açucarado.
Os pesquisadores observaram que os animais continuaram a lamber o bico do bebedouro com líquido açucarado para consumir mais açúcar.
“O experimento demonstrou que a administração crônica de açúcar induziu um comportamento habitual nos animais. Isso não ocorreu com outro grupo de camundongos expostos cronicamente a adoçante”, comparou Ferreira, referindo-se a um terceiro experimento realizado pelo grupo.
Os pesquisadores começaram a investigar o que acontecia no encéfalo dos camundongos que autoadministraram a ingestão de açúcar.
Os resultados das análises indicaram que durante a autoadministração de açúcar ocorria um aumento da liberação de dopamina em uma região específica do cérebro dos animais, o estriado dorsal.
“Observamos que os circuitos cerebrais envolvidos com o comportamento compulsivo por açúcar são bastante similares aos relacionados com a dependência de drogas”, disse Ferreira.
O próximo passo dos pesquisadores foi verificar se camundongos expostos cronicamente ao açúcar e submetidos à cirurgia bariátrica com bypass gastrointestinal também desenvolviam o hábito de ingerir o carboidrato.
O procedimento de alteração da rota gastrointestinal realizado nos camundongos, semelhante ao feito em humanos – em que é feita uma conexão direta do estômago com uma parte inferior do trato gastrointestinal, chamada jejuno –, suprimiu a compulsão dos animais por açúcar ao reduzir a liberação de dopamina na região cerebral do estriado dorsal induzida pela ingestão do carboidrato, afirmou Ferreira.
“Mesmo expostos cronicamente ao açúcar, os camundongos submetidos à cirurgia bariátrica com bypass gastrointestinal passaram a não apresentar mais o comportamento de querer sempre mais açúcar em razão da diminuição da liberação de dopamina no estriado dorsal”, explicou.
“Provavelmente, a compulsão por açúcar não está associada ao sabor doce, mas à caloria do carboidrato”, avaliou.
Reativação do hábito
A descoberta de que a cirurgia bariátrica com bypass gastrointestinal é capaz de diminuir o apetite por açúcar ao reduzir a liberação de dopamina na região cerebral do estriado dorsal estimulou os pesquisadores a realizar um outro experimento em que reativaram o hábito de consumir o carboidrato por camundongos submetidos ao procedimento por meio da estimulação dos receptores dopaminérgicos.
Por meio de uma técnica avançada de neurociência, chamada optogenética – em que é injetado um vírus em uma região específica do cérebro para fazer com que os neurônios daquela região cerebral expressem uma proteína sensível à luz –, os pesquisadores conseguiram ativar neurônios que expressam receptores dopaminérgicos no cérebro dos animais.
Com isso, os animais aumentaram o consumo de substâncias adocicadas, derrubando os efeitos da cirurgia bariátrica com bypass gastrointestinal.
“Conseguimos induzir o comportamento de hábito de consumir açúcar mesmo nos camundongos que foram submetidos à cirurgia bariátrica com bypass gastrointestinal e que só tinham ingerido adoçante pela simples ativação da via dopaminérgica na região do estriado dorsal", afirmou Ferreira.
Os pesquisadores também constataram que, por outro lado, lesões nos neurônios que expressam receptores dopaminérgicos na região do estriado dorsal do cérebro dos animais são capazes de abolir o comportamento compulsivo por açúcar.
O artigo Striatal dopamine links gastrointestinal rerounting to altered sweet appetite (doi: 10.1016/j.cmet.2015.10.009), de Ferreira e outros, pode ser lido por assinantes da revista Cell Metabolism emwww.sciencedirect.com/science/article/pii/S1550413115005252.
Elton Alisson | Agência FAPESP
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